Uma visão social sobre o abandono afetivo
- Ana Moreira
- 16 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de mai. de 2020
Tema de debate com famílias de crianças acolhidas em abrigos.
O que é abandono afetivo?
Abandono afetivo nada mais é do que, negligenciar ou faltar com os cuidados básicos que a criança necessita para se desenvolver de forma saudável. Temos como conceito cultural que os primeiros cuidados com o bebê se dão exclusivamente pela mãe, já que é ela a responsável pela amamentação. Logo, é ela quem alimenta, limpa, conforta e mantém a criança aquecida, e é a ela que a criança recorre quando se sente aflita, já o pai a partir da ótica da criança desempenha um papel “secundário” ele só vai criando importância à medida que a criança se torna capaz de se arranjar sozinha.
Nos dias de hoje a mãe não é só responsável pelos cuidados afetivos, mas é muitas vezes provedora do sustento familiar. Em alguns casos essa condição de autossuficiência, exime a importância do papel paterno. Essa ausência do pai pode implicar em graves consequências, pois é ele que muitas vezes cumpre o papel de impor a “lei”. Claro que esse papel também pode ser ocupado pela mãe (ou qualquer outra pessoa com a qual a criança possua vínculo), se ela for capaz de contornar essa criança dentro das regras que ela necessita para se desenvolver de forma saudável.
Entendemos que estas regras, aqui abordada, se estabelecem sem rigidez de acordo com os conceitos de Comunicação não Violenta, ou seja, é necessário antes de mais nada compreender essa criança de forma empática se colocando em seu lugar, respeitando seu universo e consequentemente suas ações, sem julgamentos ou juízos de valores. A ideia não é provocar culpa na criança, imponto o que é certo ou errado, mas sim fomentar a reflexão de suas atitudes em detrimento do seu poder empático, para que assim ela possa analisar os sentimentos evocados à partir das suas necessidades.
Quais são as consequências da privação de cuidados na criança e no adolescente?
As consequências das privações sofridas na infância são diferentes das privações sofridas na adolescência. Os bebês e crianças, na primeira infância, não possuem os mesmos recursos internos que dispõe o adolescente ou o adulto.
Já é sabido pelos adultos e até os adolescentes, a diferença entre os seus sentimentos de angustia, tristeza, ansiedade entre outros, sabemos os motivos que culminaram estes sentimentos e muitas vezes podemos prever quanto tempo eles irão durar, possuímos recursos para disfarça-los ou evitá-los, já os bebês não conseguem discernir de onde vem estes sentimentos e tão pouco sabem encontrar o manejo adequado para acalentar e confortar tais emoções.
Por tanto, a falta dos cuidados básicos nessa fase gera nos bebês sentimento de aniquilação que poderão futuramente acarretar em distúrbios nervosos e numa personalidade instável, e/ou até mesmo mutilar a capacidade de estabelecer relações saudáveis com outras pessoas, segundo Bowlby (2002).
Relação entre abandono e a busca pela lei.
Já na adolescência é o momento em que se defronta tudo que foi vivenciado e aprendido até então. Sendo assim, se a criança não recebeu de seus genitores elementos que delimitasse seu contorno e seus limites, provavelmente buscará esses limites em outros ambientes ou na expressão máxima da lei, que por vezes pode ser a do juiz, o adolescente encontra então na criminalidade uma forma de limitar suas ações.
Essa conduta pode ser encontrada de forma menos expressiva no ambiente escolar, como a indisciplina e as notas baixas.
Um estudo feito com 102 infratores reincidentes, cujas idades variam de 15 á 18 anos mostraram claramente como os sentimentos de desconforto como a angustia da privação provocadas na primeira infância, predispõem as crianças a reagirem futuramente de forma anti-social diante das tensões.
Donald Winnicott, no livro - Privação e delinquência, descreve:
“A criança cujo lar não lhe ofereceu um sentimento de segurança busca fora de casa as quatro paredes... Procura esta estabilidade externa sem a qual poderá enlouquecer. A criança anti-social está simplesmente olhando um pouco mais longe, recorrendo a sociedade em vez de recorrer à família ou à escola para lhe fornecer a estabilidade de que necessita a fim de transpor os primeiros e essenciais estágios de seu crescimento emocional."
Qualidade do tempo.
Sobre a frase:
“Não perdemos os filhos para o mundo, perdemos os filhos dentro de casa”.
Podemos refletir sobre a real atenção que damos aos nossos filhos, pois tê-los presentes em tempo integral não implica necessariamente em abarcar com todas as necessidades básicas das quais uma criança necessita.
Sabemos que muitas vezes somos engolidos pela falta de tempo, a rotina de trabalho consomem as energias, e as poucas horas do dia que nos restam, passamos tentando nos recuperar, quaremos descanso. Porém esta falta de tempo e energia podem acarretar em outros prejuízos, como por exemplo, a distração as questões essenciais que envolvem a vida de nossos filhos.
A qualidade do tempo a qual propomos a disponibilizar as crianças precisam inevitavelmente ser vivenciadas em doto seu esplendor com amor e compaixão, sem entende-las como obrigações, mesmo que estes momentos sejam apenas aos finais de semana ou em visitas quinzenais.
Importância de reconhecer os próprios abandonos.
Recorrer a memória e voltar nas experiências vivenciadas na infância pode ser um exercício doloroso, porém necessário se quisermos lidar com os nossos próprios abandonos, na intenção de não reproduzi-los com os nossos pares, sejam eles companheiros, filhos, familiares ou amigos.
Buscar a compreensão e reflexão daqueles aos quais nos causaram algum tipo de privação, abandono afetivo ou ausência, é o primeiro passo para aceitar e elaborar nossos conflitos internos. Incluir nessa reflexão quais foram as necessidades por trás das palavras ou ações, as quais nos causaram sentimentos dolorosos, o que levou esta pessoa a tomar tais atitudes e quais necessidades nossas não foram atendidas e que culminaram em sentimentos ruins.
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